As primeiras estimativas desta vindima confirmam: a Denominação de Origem Rías Baixas enfrenta uma das maiores colheitas da sua história, sobretudo em quantidade. O que poderia soar como boa notícia está, na prática, a gerar apreensão entre os viticultores.

“Estamos perante uma situação que se complica a cada momento”, alerta Carlos Basalo, responsável de viticultura da Unións Agrarias. O setor já esperava que os preços não repetissem os valores de anos anteriores — entre 2,5 e 3 euros por quilo de uva albariño — mas ninguém previa que o mercado caísse para 1,5 euros. Pior ainda: muitos produtores encontram dificuldade em escoar a colheita.

Segundo a Associação Agrária da Galícia (Asaga), esta realidade resulta de uma expansão descontrolada da área de vinha. “Nos últimos seis anos surgiram muitas mais plantações de albariño do que o setor precisava”, explica a associação em comunicado. Hoje, além da abundância da atual colheita, as adegas carregam um excedente de 13 milhões de litros de vinho de anos anteriores.

Excedente histórico e colheita recorde

A situação deverá agravar-se com o fim da vindima, quando se estima vindimar mais de 50 milhões de quilos de uva, suficientes para elaborar cerca de 35 milhões de litros de vinho. Júlio César Reboredo, porta-voz da Asaga deixa a pergunta no ar: “Como colocar no mercado mais de 48 milhões de litros?”.

As consequências já se fazem sentir: preços abaixo dos custos de produção — entre 1,5 e 1,8 euros por quilo — quando no ano passado a média ultrapassava os dois euros. Em paralelo, muitos viticultores não conseguem vender a totalidade da sua produção. Pela primeira vez em décadas, parte da uva poderá ficar por colher.

União ou abandono?

Na Unións Agrarias, a estratégia é de cautela: “Confiamos que a situação não se generalize, mas abaixo de 1,50 euros não é rentável produzir uva na Galícia”, sublinha Basalo. O sindicato já anunciou que denunciará à AICA (Agência de Informação e Controlo Alimentar) as adegas que comprem abaixo dos custos de produção e pondera divulgar publicamente os nomes das empresas.

A Asaga, por sua vez, defende medidas estruturais e exige ao conselho regulador que assuma o papel de equilibrar produção e procura. Entre as propostas está a restrição de novas plantações de albariño em Rías Baixas, até que o setor estabilize — uma prática já adotada noutras denominações espanholas.

Godello em alta, tintos em baixa

Enquanto o albariño sofre desvalorização, é o Godello que conquista o protagonismo no mercado. Em Valdeorras, chega a atingir 2,5 euros por quilo, e também regista boas cotações em Monterrei, Ribeira Sacra e Ribeiro. “É, de longe, a uva mais procurada”, confirma Basalo.

No lado oposto, as castas tintas continuam frágeis, ainda que com ligeira melhoria face ao ano anterior. A Mencía ronda entre 0,90 e 1 euro por quilo. Já no Ribeiro, a situação divide-se: as variedades autóctones Treixadura, Loureira e Godello apresentam bons preços — até 1,9 euros — mas Palomino e Garnacha enfrentam colapso de mercado, cotando-se a apenas 0,50 euros.

“Por baixo dos 0,60 euros não é viável produzir qualquer tipo de uva na Galícia”, sentencia Basalo, resumindo o dilema que ameaça parte da viticultura galega: produzir mais do que o mercado pode absorver.